Disciplina - Biologia

Biologia & Ciências

02/04/2015

Brilho em cogumelos

Ritmo biológico controla brilho de cogumelos
Função ecológica parece estar por trás de luminosidade maior à noite, seguindo ciclo de cerca de 24 horas

Por Maria Guimarães (Revista Pesquisa FAPESP)

Três fases do crescimento de Neonothopanus gardneri

Três fases do crescimento de Neonothopanus gardneri (Foto: Cassius Stevani/IQ-USP)

Em noite de lua nova, se tornam mais óbvias as luzes verdes ao pé de palmeiras-babaçu na região do município de Altos, no Piauí. São os cogumelos da espécie Neonothopanus gardneri, também conhecidos como “flor de coco”. O químico Cassius Stevani, da Universidade de São Paulo (USP), já tinha mostrado que eles emitem luz por meio de reações químicas como se fossem vagalumes, mas sem piscar. Agora, continuando a linha de estudos que segue desde 2002, ele e colaboradores mostraram que a luminosidade emitida por esses fungos segue um ritmo de cerca de 24 horas, segundo artigo da revista Current Biology, publicado anteriormente na sua versão on-line (19 de março).
Para investigar o ritmo biológico da espécie durante pós-doutorado no laboratório de Stevani, o químico Anderson Oliveira embarcou para o Darthmouth College, nos Estados Unidos, com alguns frascos com cultura de filamentos do fungo (micélio) na bagagem. Lá, pôs em prática uma colaboração com o biólogo Jay Dunlap, cujo laboratório é especializado em entender como funciona a noção do tempo em diversos organismos.

Depois de detectar o ritmo circadiano de emissão de luz – com variações fixas num ciclo de aproximadamente 24 horas – Oliveira, agora professor no Instituto Oceanográfico da USP, mediu as quantidades das substâncias químicas responsáveis pela emissão de luz: luciferina, luciferase e redutase. As duas últimas são enzimas que, na presença de oxigênio e com ajuda das coenzimas NADH e NADPH, oxidam a primeira (o substrato), numa reação química que libera luz. O experimento mostrou que os níveis dessas substâncias também variam de acordo com o ciclo luminoso. “A emissão de luz é controlada em nível molecular por concentração e atividade das enzimas e quantidade de substrato”, explica Stevani. Para ele, o indício de que esse fungo apresenta uma regulação genética no sentido de produzir mais luz quando está mais escuro indica que o brilho tem uma função para o organismo.

Entender essa função exige uma incursão no campo da ecologia, o que tem sido feito pelo bioquímico norte-americano Hans Waldenmaier. Como parte de seu doutorado com Stevani, ele levou para a floresta cogumelos de acrílico revestidos de cola e munidos de lâmpadas de LED verde, que emitem luz de intensidade semelhante à de N. gardneri. Uma série de insetos, entre besouros, moscas, vespas e outros, ficaram presos à cola iluminada de verde. Cogumelos experimentais semelhantes, mas de luz apagada, capturaram uma quantidade muito menor de insetos. “Imaginamos que os animais atraídos pela luz ajudem a disseminar os esporos dos cogumelos, uma função importante principalmente em florestas onde o vento é escasso”, diz Stevani.

Neste momento, seu grupo está participando de filmagens das interações de cogumelos N. gardneri com insetos e aranhas para o documentário One Planet, feito em várias regiões do mundo pelo canal britânico de televisão BBC. O resultado deve ser exibido até o final de 2016. Nos próximos tempos, o químico da USP continuará seu namoro com a biologia, tanto em estudos ecológicos como na busca por entender como genes de atividade ritmada conseguem controlar a bioluminescência dos cogumelos.

Projeto

Bioluminescência em fungos: levantamento de espécies, estudo mecanístico & ensaios toxicológicos (13/16885-1); Pesquisador responsável Cassius Vinicius Stevani (IQ-USP); Modalidade Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa; Investimento R$431.880,98

Artigo científico


OLIVEIRA, A. G. et al. Circadian control sheds light on fungal bioluminescence. Current Biology, on-line 19 mar 2015.
Esta notícia foi publicada na Edição Online 13:00 de 19 de março de 2015 da revista Pesquisa FAPESP. Todas as informações nela contidas são de responsabilidade do autor.
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